Os amigos juntam-se e falam do passado, da música
que já não se ouve na rádio, do inverno em que choveu
semanas a fio e o rio saiu das margens para desenhar
nos troncos das árvores os círculos imperfeitos
da idade. Eles sabem para si mesmos que falam
do que nunca existiu: das mulheres que se renderam
para sempre às palavras do amor, das perdizes
caindo de asa nas encostas iluminadas da urze,
das corridas memoráveis do vinte e cinco
de abril, das tardes de domingo que haveriam
de envergonhar a uefa se a televisão estivesse presente
nas finais dos torneios dos bombeiros voluntários.
É disso que os amigos falam: do que a vida poderia
ter sido se não fosse a filha da puta de vida que foi.