Os cordeiros ficavam suspensos
de paus espetados nos intervalos das pedras
da parede para que melhor
depois de soprados à cana
se lhes tirasse a pele e as enxúndias viessem
inteiras na precisão do corte. As primeiras moscas
do ano seguiam os movimentos da navalha
e poisavam nos panos ou rondavam
os alguidares das vísceras. À distância
ouviam-se os gritos metálicos e trémulos
e lancinantes dos bichos. Mas
havia que estar presente e
ter seis anos e ver o sangue
a escorrer em fio na pedra de granito inclinada
do pátio de tão abundante e
inverosímil. O meu tio
sorria então a olhar-me e a limpar num
pano de cozinha as mãos
cumprida com mestria a função de esfolar
e amanhar os cordeiros da páscoa.
E nas assadeiras e nas mesas festivas
não haveria já no dia seguinte
memória nenhuma do sangue
escorrendo na pedra do pátio.