São tantas as coisas que se misturam
para que a memória devolva um único objecto:
as toalhas e um cântaro com água, uma caixa de música,
as manchas da humidade nas fotografias
da parede, a chuva a bater nos vidros da janela,
a escaleira de pedra, uma árvore. Mas antes
a água primeiro escorrendo num fio por entre
os caules das ervas; as argilas, os finíssimos grãos
da aluvião; uma horta defendida pelos muros
altos; os matos; o bosque: só depois
o segredo de curar ou enlouquecer
tocando com as mãos nos ombros das crianças:
só depois da casa e dos caminhos de terra
batida; só depois dos minúsculos açudes e do labirinto
dos canais de rega; só depois das sementes
espalhadas num chão lavrado; só depois do fogo
e do rumor do vento nos arames das vinhas.
São tantas as coisas que se misturam
para que a memória devolva um único objecto:
a faca de cortar o pão.