domingo, abril 02, 2006

O caderno do Mestre Ferrador

Vinte e seis anos
cabem num caderno de capa negra
de cartão grosso: registo do deve e haver
e do estado dos campos. A vacina
do tétano no mês de Junho
de mil novecentos e sessenta e dois,
as ferraduras novas, a infusão de marcela
ou a tintura de genciana
para o gado vacum remoer,
receitas com alúmen, o canfocitrol,
a essência de terebentina,
a injecção para as inflamações

nas tetas das ovelhas. Chamavam-lhe
o Mestre. E o Mestre gostava
dessa deferência para com a sua Arte: vê-se
pela caligrafia apurada, pelo esmero
no alinhamento das parcelas numéricas,
pelo modo como, diz quem o conheceu,
olhava uma mula doente, demoradamente,
e se recusava a emitir opinião
enquanto não passasse ao rigoroso,
minucioso exame científico da besta.