[in Expresso, Atual, 30 de Julho de 2011]
Nada justifica que um poeta com provas dadas como José Carlos Barros (n. 1963) continue a publicar apenas em edições de autor ou à conta de prémios regionais. Mas o novo livro, «Rumor», é uma vez mais uma edição quase clandestina, com tiragem de cem exemplares e venda individualizada (através de blogcacela@gmail.com). Autor de «Uma Abstracção Inútil» (1991), «Todos os Náufragos» (1994), «Teoria do Esquecimento» (1995), «As Leis do Povoamento» (1996) e «As Moradas Inúteis» (2007), Barros é transmontano, vive no Algarve e mantém o blogue Casa de Cacela (http://casa-de-cacela.blogspot.com), onde apareceram originalmente vários destes poemas. A memória e a simplicidade são elementos centrais, embora coexistam com apontamentos políticos cáusticos. Os poemas, discretos e cuidadosos, estão cheios de vislumbres da infância, imagens familiares, secretos envios amorosos. O tema dos objectos antigos e dos usos antigos é recorrente, mas não existe nenhuma nostalgia, somente uma sensação de distância, madura e entristecida, face às coisas simples. Referindo-se à pintura rupestre, o autor fala de uma representação do real «contaminada pelo que sabemos». A poesia é a forma decantada dessa representação, feita de figuras enigmáticas e alusões mínimas, uma bacia de plástico com água da chuva, máquinas de luzes, uma torneira, um álamo, símbolos pessoalíssimos de um desejo urgente de pureza. A poesia, escreve Barros, é uma forma de redundância. Mas é também uma forma de evidência: «era no tempo da literatura/ dizíamos ‘a água dos tanques’/ e ficávamos à espera da reverberação dessas cinco sílabas/ ou cortávamos vagarosamente/ um ramo/ da árvore dos significados.»
Pedro Mexia