Não sei neste momento exactamente onde tenho guardado o relógio do meu avô. Procurei nas gavetas não o encontro. E no entanto cheguei a acreditar que o teria sempre momento após momento a meu lado. Comigo. No pulso ou no bolso das calças de guardar a chave de casa ou preso por uma corrente de prata a uma presilha. E no entanto neste momento exactamente não sei onde pára onde terei guardado o relógio do meu avô.
Os homens do campo sempre apreciaram os relógios enquanto objectos num certo sentido redundantes mas simultaneamente mágicos. Por trazerem uma ordem aos desacertos do tempo. Andávamos por exemplo nas encostas da presa do padre pedro a cortar nos salgueiros as varas dos cestos das uvas e o meu avô parava olhava o céu e dizia
já devem ser umas seis da tarde.
E então olhava o relógio e confirmava como se a tarde estivesse certa com a ordem natural das coisas
pois bem me parecia faltam quatro minutos para as seis.
O meu avô ofereceu-me o relógio quando estava a morrer. Procuro nas gavetas e não o encontro. E de súbito é como se mais nenhum relógio do mundo me pudesse devolver
as horas certas.