domingo, junho 15, 2008

15.

O escuro da taberna contrastava com o calor insuportável; um odor a óleo e a fermentação parecia ficar no ar em camadas espessas. João gostava de misturar-se a esta gente que trazia em si, a um tempo, as marcas da ruína e da exaltação; os sonhos ainda agarrados ao corpo mesmo quando a cinza definitivamente os trespassara. E então, numa noite de Outubro de mil novecentos e vinte e um, ouviu alguém a falar de um lugar onde os rios eram tão azuis como nos mapas das escolas; e os freixos desenhavam nas suas margens uma linha sinuosa de sombra iluminada por dentro. Não o reconheceu logo: Damásio Martins tinha envelhecido muito. E João Pequeno ficou por algum tempo interdito: Carminha, D. Carmo, recebia na Vila, todos os meses, uma renda da suposta árvore das patacas que lhe permitia comprar vestidos de Lisboa no Comércio Central; com o que lhe sobrava das remessas, Damásio Martins teria o suficiente para remendar a roupa, beber copos de cachaça e sonhar com uma casa nas margens do Terva, na presa das Tílias, entre a encosta de vidoeiros e o lameiro das águas sesserigas.