12.
João ouve o motor, ao longe, do Bugatti, e imagina um tempo em que não haverá tempo; um tempo em que tudo ficará dependente do despotismo do tempo: das suas amarras, das suas teias densas, dos seus elos e dos seus vínculos, das suas cadeias sucessivas. A velocidade, então, marcará o quotidiano; e as opções do quotidiano resultarão da ponderação de variáveis que se sobrepõem, acumulam, uma camada e depois outra, num processo em que a diacronia deixa de fazer sentido; um tempo em que a falta de tempo justificará tudo: a erosão do amor, os intervalos longos na publicação dos capítulos dos folhetins, as ausências, a deserção, o esquecimento. João Pequeno ouve o ruído fascinante do motor de quatro cilindros do Bugatti e imagina um tempo em que o relógio se sobrepõe ao calendário e tudo se vive ao segundo. Até que o automóvel aparece na recta final; acabou de fazer a última curva da pista: azul, tubular, com o motor protegido pela belíssima oval dianteira, com as onduladas curvas laterais a semelhar uma onda, veloz, admirável, deslizando entre o pavimento e uma nuvem, quase em voo, quase suspenso na vertigem de correr assim disparado em direcção ao futuro.