quinta-feira, maio 15, 2008

6.

«Não há crimes de opinião; o conceito é absurdo», dizia o advogado. João Pequeno, extasiado, ouvia-o falar sobre um tempo em que não seria mais aceitável impor regras ou limitações aos discursos. «A liberdade começa pelo direito de exprimir opiniões em público sem restrições de ordem moral ou política». O doutor Granjo vinha à Vila, deixava o Tribunal e rumava à Pensão Americana a beber um palhete do Crasto. Dona Fernanda, em vendo-o chegar, fazia um sinal e Luísa descia à adega, cortava as fatias de presunto e desenterrava uma garrafa do chão de terra; trazia-a cuidadosamente para que não bulisse; para que o pé não levantasse do fundo; para que o cristal do vinho, olhado à transparência, não reflectisse senão a luz e a água das encostas viradas ao nascente. O doutor Magalhães, da varanda, via-o a atravessar o largo na companhia de João Pequeno. E o que sentia era apenas cansaço; tédio; melancolia.