não conheço esta cidade
Não conheço esta cidade. Não sei o nome desta cidade. Sei que é de noite e que desço a mesma rua há duas ou três horas. A rua parece não ter fim. Mas a verdade é que já passei várias vezes pela mesma casa, pela mesma montra de um restaurante vazio, pela mesma escultura equestre. Como se a rua não acabasse pela simples razão de que começa de novo à medida que a percorro. Não sei o que faço aqui. Sei apenas que é de noite e que esta cidade não tem nome.
numa cidade sem nome
Numa cidade sem nome, numa cidade que provavelmente não existe, tu apareces de súbito e pedes-me lume. Não dás sinais de me reconhecer. É como se nunca me tivesses conhecido. Acendes o cigarro, agradeces-me, afastas-te, fico a olhar-te por algum tempo. Eu próprio chego a duvidar que um dia nos tivéssemos conhecido, e amado, e chorado juntos, e tivéssemos prometido um ao outro: «um dia haveremos de nos encontrar por aí». Só não poderia imaginar que fosse assim que nos encontrássemos, numa cidade desconhecida, sem nome, e que apenas me pedisses lume.
parece-me que já passaram vários dias
Parece-me que já passaram vários dias e é sempre de noite. Estou numa cidade desconhecida e caminho numa rua que não tem fim. As pessoas que se cruzam comigo parecem fantasmas perdidos na escuridão. Não se ouve um único ruído para além do eco dos passos cadenciados de alguém que continua atrás de mim desde que cheguei, sem saber como, a esta cidade. De vez em quando páro, e o ruído dos passos da pessoa que me persegue deixam de se ouvir na noite muito escura. Viro-me; olho o seu rosto: e é o meu rosto que vejo no rosto de quem me persegue, olhando-me nos olhos, de frente, como se houvesse uma pergunta que ficou por fazer.