Nessa noite em que mataram
Santiago Luís Fernandes
no passeio em frente ao café O Túnel
compreendeu-se que as previsões meteorológicas
podem falhar
por causa de uma navalha
mais do que por um imprevisto deslocamento
do anti-ciclone
dos Açores
Estava previsto que nem uma
aragem
corresse
tu dormias como sempre
era quase do outro lado da rua
não acordaste
não ouviste sequer o vento
não ouviste sequer a chuva
a bater descompassadamente nos
vidros
da janela
do quarto
Deviam ser contas
antigas
nenhuma das doze testemunhas
soube explicar a razão de se ter puxado
a navalha
Santiago bebia cerveja e discutia um
jogo da taça da liga
nem se deve ter apercebido que a súbita
dor aguda
vinha de uma lâmina
iluminada pelo brilho
de um reclame
de néon
Tu dormias como sempre
como agora dorme Santiago Luís Fernandes
como agora
do outro lado do mundo
alguém acorda
alguém adormece
indiferente ao fio da navalha
aberta
na esplanada
do café O Túnel
antes de começar a chover
num dia em que a
meteorologia
previa
que nem uma aragem corresse
durante a noite