Em todos os poemas há
a casa. Para que tudo possa começar
onde deve começar. No pátio
e na escaleira da entrada. Na porta
pintada de verde com o forro de zinco. Nos retratos
a sépia pendurados nas paredes
da sala. Na pedra da lareira. Nos corredores
a dar para a sombra dos quartos. Na varanda.
O mundo é uma repetida enunciação.
Depois vem a luz do verão. A luz intensa
que em vez das palavras
desloca os objectos. Uma travessa
de cerâmica. Um pote de ferro. O assador
das castanhas. A luz que fica agarrada aos vidros
das janelas. A luz que espalha nas traves do soalho
os losangos de haver muitas
afastadas vozes misturadas
às folhas dos álamos jovens.
E o inverno. Para que a tempestade
traga de longe o rumor do vento nos arames
das vinhas. Para que uma sombra possa repetir
todas as sombras
que o labirinto da idade abateu
sobre os corações desabitados.
Em todos os poemas há
a casa. Porque a casa é também o lugar
das viagens. Numa manhã dos meses de junho
alguém fala do tempo antigo das mulheres do rio
de janeiro como se a sede
pudesse matar-se com a água do cântaro
arrumado ao lado do escano.
Uma fotografia guardada num álbum
de fotografias. Numa das salas da casa.
Numa das gavetas da cómoda
que não sabemos se alguém
haverá de abrir. O poema. A desvalorizada moeda.
Onde havia uma casa
e o verão e o inverno
subiram um dia a escaleira de pedra.