Só um poema de novo interessa neste tempo
de vigilância sucessiva. Um poema
sobre a deflação e o silencioso e rapace
voo da coruja. Sobre a irrealidade
material dos orçamentos. Sobre as técnicas
de diluição do défice nas
folhas remuneratórias das repartições.
É certo que desertaram os arautos
migratórios e se esvaiu assim
a fabulosa retórica de acreditarmos
ser possível de cabeça para
baixo sobreviver sem a protecção
civil nem a ajuda externa no fundo
de um poço com água pela metade
dele. Mas há terreno tanto ainda
para estender de um a outro
lado das praças o fio cinzento
do rastilho das legislaturas.
E por isso aqui se escreve que
chegou depois de tantos anos
o tempo do poema como quando
na tropa os sapadores procuram em pânico
nos livros de instruções o segredo
dos instrumentos de deflagração.