segunda-feira, julho 18, 2011

[se o poema]

se o poema pudesse ser um número
ou uma pedra de calcário
se o poema pudesse ser uma arte produtiva
se pudesse não
apenas descrever a obscura luz de um poço
mas simultaneamente mover os rolamentos da
máquina hidráulica que
traz o balde de zinco
do mais fundo dos veios da água
se o poema alinhasse um bloco desacertado
e depois outro
erguendo em linhas a direito
os muros das propriedades
se o poema derruísse os taludes instáveis das áreas de risco
se delimitasse os
tão desejados perímetros de segurança
se curasse as doenças de pele
se tivesse os efeitos de um protector de
ecrã total
quando apenas o mundo nos pede a
contínua exposição solar ouvindo o
rumor imperceptível do levante
se o poema fosse uma farmácia ou
uma oficina de bicicletas
se disparasse balas verdadeiras contra os facínoras
e o seu eco nos acompanhasse nas
noites infelizes da insónia revertida dos espelhos onde
nos olhamos no dia vinte e
sete de novembro de todos os anos
se o poema nos acordasse quando os
exércitos precisam de reforços
se um poema ganhasse as eleições intercalares

eu sei
profundamente sei meu amor
que me haverias de enviar um mail
ou um sms
a dizer que desististe
que partiste com as aves da península
para nenhum
lugar
e que gostaste de conhecer-me
e que talvez um dia seja possível encontrarmo-nos de
novo
para mudarmos de sítio
as pétalas
inúteis
das frésias
dos jardins