O meu amigo João, provocador, mete-me assim sem mais aquelas numa corrente de escritas imaginando que citarei, de sopetão, o «Eu, Carolina, oh ai ai ai» – tendo o correspondente pretexto de me cair em cima fazendo depois piadinhas com, é um supor, o Derlei. Dessa estou eu livre – muitas felicidades à mocinha e ao FCP, e que no próximo ano o destino lhes permita, a eles, ao FCP e a ela, um lugar na Europa – cheios de dinheiro e sem Pepe nem outra gente de génio que se veja tirante o Pinto, o Castro, o Rui Pedro e o Hélder Barbosa.
Aconselhar cinco livros? Aí vai: não se pedindo necessariamente os que se levariam para a ilha deserta, deixemos os óbvios (D. Quixote, sempre, o Borges todo, sempre, o Camilo, sempre, o Sthendal, sempre, por exemplo) e passemos aos que, sendo obrigatórios, nem sempre aparecem por aí muito citados:
1: Michael Kohlhaas, o Rebelde, de Heinrich von Kleist. Livro maior da literatura universal, deveria ser obrigatório nas escolas e nos governos. «O príncipe Cristiano von Meissen, bastante preocupado com o aspecto que as coisas tomavam, ameaçando ofuscar perigosamente o bom nome do seu soberano, foi imediatamente ter com ele ao palácio e, embora adivinhando o interesse dos von Tronka em perder Kohlhaas, se possível apoiados em novos delitos, pediu-lhe autorização para submeter imediatamente o negociante a um novo interrogatório.»
2: Carta de Guia de Casados, de D. Francisco Manuel de Melo. Prosa límpida, de estudar-se nas escolas se as escolas tivessem a preocupação de ensinar-se a língua pátria. Um cibo reaccionariozinho, sim, que sei eu do século dezassete se nem muito do nosso vinte e um? «Ame-se a mulher, mas de tal sorte que se não perca por ela seu marido. Aquele amor cego fique para as damas, e para as mulheres o amor com vista. Ou cure os olhos que tem, ou os peça emprestados ao entendimento desses que lhe sobejam.»
3: A Noite e o Riso, de Nuno Bragança. Título maior do romance português do século vinte, caso Jorge de Sena não nos tivesse deixado (em versão por burilar?) os «Sinais de Fogo»? «Ainda eu me achava tonto de ejaculado e já ela sacudia, erguendo-se. Ao rebolar, magoei o sexo num calhau. O tempo de verificar estragos e sentar-me e já a rapariga se sumia através de canas.»
4: Portugal – o Mediterrâneo e o Atlântico, de Orlando Ribeiro. É apenas, dizia ele, «um esboço de relações geográficas». Para compreender o país como em nenhum outro lugar ou demanda. Literatura, também, como raras vezes a literatura portuguesa alcançou. «O frio moderado não provoca na vegetação o repouso hibernal. Uma única árvore tipicamente mediterrânica perde as folhas: a figueira; onde predominarem as árvores de folha caduca é sinal de que as condições setentrionais, atlânticas ou de altitude já se vão fazendo sentir.»
5: Anfíbios e Répteis de Portugal, de Nuno Ferrand de Almeida et all. Dezenas de anos de estudo e dedicação sobre a distribuição, o comportamento e a ecologia de espécies perseguidas e temidas em razão de antiquíssimos medos e generalizadas crenças e superstições. «O seu principal mecanismo de defesa [cobra-rateira, Malpolon monspessulanus] é a fuga. Por vezes, quando ameaçada, pode tornar-se agressiva, erguendo a região anterior do corpo, soprando e chegando a morder. Produz um forte veneno de características neurotóxicas. No entanto, não é perigosa para o Homem, já que se trata de uma espécie opistoglifa.»
A quem passo a corrente (e seja o que Deus quiser)? Ao António, ao Hélder, à Sílvia, ao nrc e à Lenor.